ATA DA QUADRAGÉSIMA NONA SESSÃO SOLENE DA SEGUNDA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA TERCEIRA LEGISLATURA, EM 10-12-2002.

 


Aos dez dias do mês de dezembro de dois mil e dois, reuniu-se, no Plenário Otávio Rocha do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre. Às dezenove horas e dezessete minutos, constatada a existência de quórum, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão, destinada à entrega do Título Honorífico de Cidadão de Porto Alegre ao Senhor Donaldo Schüller, nos termos do Projeto de Lei do Legislativo n° 209/02 (Processo n° 3317/02), de autoria do Vereador Juarez Pinheiro. Compuseram a MESA: o Vereador João Carlos Nedel, 1° Secretário da Câmara Municipal de Porto Alegre, presidindo os trabalhos; o Senhor Gustavo de Mello, Chefe da Casa Civil e representante do Senhor Governador do Estado do Rio Grande do Sul; o Senhor Wilson Martins, representante da Prefeitura Municipal de Porto Alegre; o Senhor Donaldo Schüller, Homenageado, e esposa, Senhora Vera Schüller; o Vereador Juarez Pinheiro, na ocasião, Secretário “ad hoc”. A seguir, o Senhor Presidente convidou a todos para, em pé, ouvirem a execução do Hino Nacional e, após, concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Vereador Juarez Pinheiro, em nome das Bancadas do PFL e PC do B, teceu considerações sobre a vida pessoal e as atividades profissionais desenvolvidas pelo Senhor Donaldo Schüller, justificando os motivos que levaram Sua Excelência a propor a concessão do Título Honorífico de Cidadão de Porto Alegre a Sua Senhoria e destacando a atuação do Homenageado como literato, pesquisador e conferencista. A seguir, o Vereador Juarez Pinheiro assumiu a direção dos trabalhos e, após, foi dada continuidade às manifestações dos Senhores Vereadores. O Vereador Antonio Hohlfeldt, em nome da Bancada do PSDB, saudou o Senhor Donaldo Schüller pelo recebimento do Título Honorífico de Cidadão de Porto Alegre, cumprimentando o Vereador Juarez Pinheiro pela iniciativa da concessão da presente honraria, mencionando ter sido aluno do Homenageado e salientando a qualidade do trabalho do Senhor Donaldo Schüller, especialmente na divulgação da cultura e da literatura grega. O Vereador Adeli Sell, em nome da Bancada do PT, prestou sua homenagem ao Senhor Donaldo Schüller, informando ter sido aluno do Homenageado no curso de Letras e ressaltando a qualidade sempre demonstrada por Sua Senhoria no exercício de suas atividades docentes, especialmente no que tange à divulgação e ao ensino da língua e da cultura grega e à produção de importantes obras no campo da Literatura. Após, o Senhor Presidente convidou os Vereadores Antonio Hohlfeldt e Adeli Sell a procederem à entrega, respectivamente, do Diploma e da Medalha alusivos ao Título Honorífico de Cidadão de Porto Alegre ao Senhor Donaldo Schüller, concedendo a palavra ao Homenageado, que agradeceu o Título recebido. A seguir, o Senhor Presidente convidou os presentes para, em pé, ouvirem a execução do Hino Rio-Grandense e, nada mais havendo a tratar, agradeceu a presença de todos e declarou encerrados os trabalhos às vinte horas e trinta e nove minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelos Vereadores João Carlos Nedel e Juarez Pinheiro e secretariados pelo Vereador Juarez Pinheiro, como Secretário “ad hoc”. Do que eu, Juarez Pinheiro, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada pelos Senhores 1° Secretário e Presidente.

 

 

 


O SR. PRESIDENTE (João Carlos Nedel): Estão abertos os trabalhos da presente Sessão Solene, destinada a homenagear o Prof. Donaldo Schüller com o Título Honorífico de Cidadão de Porto Alegre, por proposição do Ver. Juarez Pinheiro. Compõem a Mesa o Sr. Donaldo Schüller; sua esposa, Sr.ª Vera Schüller; o Dr. Gustavo de Mello, representando o Sr. Governador do Estado, Olívio Dutra; e o Sr. Wilson Martins, representando a Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Também estão presentes nesta Sessão os Vereadores Juarez Pinheiro, Dr. Goulart e Adeli Sell.

Convidamos todos os presentes para, em pé, ouvirmos o Hino Nacional.

 

(Ouve-se o Hino Nacional.)

 

Informamos também a presença do Ver. Antonio Hohlfeldt, Vice-Governador eleito.

Neste momento fará uso da palavra o Ver. Juarez Pinheiro, proponente desta Sessão Solene, que falará também pelas Bancadas do PFL e do PC do B.

 

O SR. JUAREZ PINHEIRO: Ex.mo Sr. Presidente dos trabalhos, Ver. João Carlos Nedel; Ex.mo Sr. Chefe da Casa Civil, Secretário de Estado, companheiro Gustavo; Ex.mo Sr. representante do Prefeito, Dr. Wilson; caríssimo homenageado, Professor Doutor Donaldo Schüller; sua esposa, D. Vera; amigos, alunos, colegas, familiares deste querido gaúcho e porto-alegrense Donaldo Schüller. Perdoem-me uma confidência, mas eu e o Professor Donaldo temos um amigo em comum. Esse amigo em comum vez que outra me coloca em situações que, aparentemente, me causam grandes dificuldades. Eu me refiro ao Dr. Bruno Costa – quero-me escusar por não ter cumprimentado, aqui, os colegas Vereadores, e o colega Antonio Hohlfeldt, que, além de nosso colega Vereador, é também o Vice-Governador eleito; eu os cumprimento e agradeço pela presença -, que me coloca tarefas às vezes invencíveis. Eu vou elencar três, para não ser muito prolixo. Dez anos atrás, de uma hora para outra, ele me convidou para dirigir quatro hospitais - o Grupo Hospitalar Conceição -: o Hospital Conceição, o Hospital Fêmina, o Hospital Cristo Redentor e o Hospital da Criança, sendo eu um Bacharel em Direito. Foi também quem me incentivou a que eu me candidatasse a um cargo de Vereador e, por último, em meio a uma campanha eleitoral acirrada, o Bruno, como num édito romano, como um pretor romano, adentra o meu Gabinete e me diz, peremptório: “Temos que homenagear o Professor Donaldo.” Eu fiquei estarrecido! Eu disse: “Mas eu Bruno?” Alguém que mal leu Capitu, de Machado de Assis, pouca coisa de Dostoievski, alguma coisa, fragmentos de O Capital, gosto da Clarice Lispector, eu não me encorajava a essa tarefa tão grandiosa de homenagear um erudito dessa qualidade, desse quilate.

Mas, com modéstia e pertinácia, com muita garra, eu tenho tentado desincumbir-me dos desafios do Bruno, dessas tarefas quase invencíveis que ele me tem colocado ao longo de mais uma década.

Faz dez anos que passamos, eu e ele, pelo Grupo Hospitalar Conceição, e as pessoas ainda lembram de nós, como um sonho bom, como uma brisa - e o Dr. Goulart, que é médico do Hospital Fêmina, sabe disso.

Eu, hoje, estou Vereador, e eu, hoje, neste momento, tenho a grande honra de homenagear o Professor Donaldo Schüller.

O Bruno me faz ir a limites que, de plano, preliminarmente, me parecem, às vezes, impossíveis de serem alcançados.

Homenagear Donaldo Schüller é homenagear o Professor com Pós-Doutorado, é homenagear o pesquisador incansável, o conferencista brilhante, o erudito sem pose, como disse Armindo Trevisan, o crítico lúcido e generoso, o filósofo consagrado, o tradutor, o ensaísta, o ficcionista, o mágico que seduz e hipnotiza quem o ouve, que transita, com grande facilidade, da mitologia para a literatura clássica e daí para as literaturas ocidentais contemporâneas, inclusive a brasileira.

Com o mesmo vigor e serenidade com que se dedica aos estudos clássicos sobre a Grécia Antiga, se aplica ao estudo da literatura gaúcha.

Gosta de textos lacunosos, incompletos, pedaços de palavras, pedaços de idéias. Diz que helênicos somos todos nós, que a Grécia é responsável por nossas inquietações.

Professor Donaldo, nenhum título, parece-me, poderia ser mais adequado ao senhor do que o Título de Cidadão de Porto Alegre. Nem mesmo, por exemplo, o título de cidadão da Grécia lhe seria tão adequado. Eu ousaria dizer que, materialmente, o senhor não nasceu em Videira, Santa Catarina, em 1932. Ele conta, nas suas memórias, que, no dia 25 de setembro de 1932, houve um grande alvoroço em Videira, Santa Catarina: a briga entre os constitucionalistas e aqueles que defendiam Getúlio. Depois ele procurou saber se foi verdade essa batalha, essa disputa entre os dois grupos, mas não conseguiu chegar a uma conclusão. O que eu quero dizer é que o Professor Donaldo Schüller nasceu em Porto Alegre em 1945; o que eu quero dizer é que a sua aldeia é Porto Alegre, a aldeia que o fez conhecer o mundo, que o fez conhecer a Grécia e a sua literatura foi Porto Alegre, Professor Donaldo Shüller. Portanto, nenhum título lhe seria mais adequado do que este que eu propus e que todos os Vereadores desta Casa Legislativa, de forma unânime, apoiaram, incentivando-me a realizar esta cerimônia.

Porto Alegre, que agora o homenageia, é como as pólis gregas: ela é uma Cidade inquietante, uma Cidade que radicaliza a democracia, uma Cidade que é hoje referência internacional, por uma série de questões, como qualidade de vida, acima de tudo, pela efervescência de idéias, pela disputa de projetos, pela presença entre nós, pela terceira vez - agora se realiza novamente -, do Fórum Social Mundial. Eu penso que Porto Alegre resgata todos os seus sonhos; Porto Alegre é, na verdade, a sua aldeia. Porto Alegre até deixa de ser aldeia, tamanha hoje a sua importância no contexto mundial. Eu gostaria de assinalar isso nas próprias palavras do Professor Donaldo, neste impresso de autores gaúchos, quando ele se refere, numa entrevista que concede a Porto Alegre. Porque ele nasceu em Videira e, depois, com tenra idade, deslocou-se com a família para Estância Velha, aqui no Vale dos Sapateiros. Depois deslocou-se para Porto Alegre, em 1945. Numa entrevista célebre que ele concedeu a Zilberman, uma romanista, conhecida de todos os senhores, quando ela pergunta: “E Porto Alegre?”, ele diz o seguinte: “Como vês, eu já estava em Porto Alegre antes de chegar. Eu estava não estando. Porto Alegre era o meu horizonte distante. Em Porto Alegre comecei a ler, havia bibliotecas e hora de lazer. E havia colegas que liam. Descobri Machado de Assis lá pelos 15 anos. Li José de Alencar, Bíblia, Goethe, Schüller, antes da retórica.

Discursos no Grêmio Literário ouvidos e proferidos, leitor e redator de revista escolar, cinema e teatro. Havia clima para isso. Não havia assunto que não fosse matéria de discussão. Discutia-se pelo prazer de discutir. Havia discussões tão apaixonantes quanto as partidas de futebol. Discutíamos pelo prazer de discutir. Foi aí que aprendi a brincar com as idéias, coisa que ele continua até hoje admirando nos gregos. Mais adiante, ele mesmo diz, nesta mesma publicação quando - e é interessante, ele é obrigado, quando faz a sua auto-biografia a colocar cronologicamente, a sua trajetória, ele diz o seguinte: “Descer ao passado, ao próprio, é como revistar os porões de uma casa abandonada. O pó reveste os calendários envelhecidos; traças roerão datas, trabalho de arqueólogo e fragmentos, recompor unidades para serem lidas, decifradas, guardadas em livros ou museus. Escolho alguns pontos de referência, permito que em torno deles se agrupem recordações mais ou menos vagas. Quando eu quero dizer que ele nasceu em Porto Alegre, eu me refiro a um desses exertos que eu retiro, apenas um, ou quando ele trata do ano de 1945, o ano em que terminava a guerra. Diz o Professor Donaldo Schüller: “Fim da guerra. Respiro aliviado, porque o Brasil já não tem inimigos e a devoção à Pátria já não me obriga a odiar. Ouço o pipocar da vitória em Porto Alegre, cidade que desde então é minha. Adolesci na euforia da era Dutra. O Brasil era agora um Estado democrático com vontade de virar Primeiro Mundo. Eu vivia no entusiasmo do segundo grau. Meus primeiros contatos com a literatura me mostraram que o sertanejo é sobretudo um forte. As frases de Euclides da Cunha me embalavam. Descobri Machado de Assis, ler Goethe e Schüller já não constituía atentado à segurança nacional. Veio o teatro de Sheaskepeare, os clássicos franceses, Cornélio e Racine, algumas páginas de Dom Quixote, uma espiada na Divina Comédia, Martin Fierro. Minha cabeça ia se transformando numa biblioteca de babel, antes de ler Borges. Depois vieram Balzac, Flaubert, Emile Zola, Eça de Queiroz. Já não se podia continuar vivo sem ter lido os russos. Lamentei que os romances de Dostoievski fossem tão detalhados. Quando o jogador me veio às mãos, exultei. Líamos e analisávamos Camões nas aulas de Português, e atravessei a Bíblia de ponta a ponta, não uma só vez, várias, inteira e aos pedaços. Eu era aluno de uma escola luterana, o inesquecível Seminário Concórdia. Demorei-me em Jó, nos Cantares e nos Salmos, visitei com freqüência os Evangelhos e as Epístolas de Paulo.

São por essas razões, pelas próprias palavras que, na verdade, hoje nós fizemos aqui um pleonasmo. Nós estamos dizendo que ele é um cidadão de Porto Alegre, quando ele já o é há muito tempo.

Nós estamos entregando um Título Honorífico de algo que ele já é, e isso é um pleonasmo. Mas esse pleonasmo serve para que possamos nesse momento mágico, nessa noite onde se reúnem seus colegas, seus amigos, sua querida esposa e companheira que o acompanha ao longo desses anos todos, alunos, pessoas que o admiram, e aqui cito alguém que escreveu inúmeros textos em revistas, folhetins, o nosso Professor e Vice-Governador eleito que vai depois proferir as suas palavras.

Enfim, hoje aqui se reúne em pedaços a vida do nosso querido homenageado. Homenageado, que concluiu o Bacharelado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1959, e a Licenciatura, nessa mesma Universidade, em 1960. Ingressa então, como Instrutor de Ensino Superior na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1962. Seguiu uma carreira brilhante, na qual combina-se o estudo, o ensino, a administração universitária, a pesquisa e a produção teórica, ficcional e poética.

Intitula-se Doutor em Letras e Livre-Docente pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em 1970, e pela Universidade Federal em 1974. Assume como Professor Titular da Universidade Federal em 1981, e conclui o Pós-Doutorado, na USP, em 1989. Como Professor e conferencista ministra cursos em várias universidades, em níveis de graduação e pós-graduação, orienta cerca de trinta teses de mestrado e doutorado, e desenvolve intensa participação em congressos, simpósios, seminários e conferências em diversos países.

Desempenha diversas funções no âmbito da administração Universitária –Chefe do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade Federal em dois períodos; Diretor do Instituto de Letras desta universidade, de 1972 a 1976; Coordenador interino do Curso de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em vários períodos; representante do Instituto de Letras nos órgãos centrais da UFRGS e consultor da CAPES, CNPq e FAPERGS. Desenvolve intensa produção teórica, ficcional e poética, publicada em dezoito livros de ensaios, seis de ficção, dois de poesias, um de literatura infantil em parceria com seu filho João Paulo – o nosso homenageado teve quatro filhos, três moças e o João Paulo –, em jornais e revistas especializadas de diversos países. Enfrenta com criatividade e inventividade o desafio de traduzir Sófocles e James Joyce, publicando a tradução, ou “transcrição”, podemos dizer, de Antígona, e de Finnegans Wake/Finnícius Revém.

Eu tinha feito dois discursos: um era mais prolongado, em que eu iria comentar algumas obras do Professor, mas com a chegada de vários colegas Vereadores eu não vou tornar-me inoportuno e vou permitir que os meus colegas também façam, neste momento tão especial para esta Câmara de Vereadores, as suas homenagens, e vou para a conclusão, mas não posso deixar de dizer que é um privilégio para mim ser o autor desta solenidade que outorga ao Prof. Donaldo Schüller o Título Honorífico de Cidadão de Porto Alegre.

Nossa Capital sente-se agradecida por seu trabalho intelectual, pelas obras literárias que realizou, pela tradução de James Joyce, pelos conhecimentos que transmitiu a um infindável número de pessoas no âmbito de nossas universidades e fora de seus muros, difundindo o saber e a cultura e plasmando em cada pessoa, com quem conviveu ou convive seu exemplo de professor, de cidadão e de pessoa com dotes ímpares e excepcionais.

Temos o prazer de cumprimentá-lo em nome da Direção do Partido dos Trabalhadores e de meus pares nesta Casa, de meu próprio Partido e dos demais que a integram, acolhendo-o como um gaúcho de Porto Alegre, como já o é há muitos anos, mas agora oficialmente como Cidadão de Porto Alegre.

Felicidades e parabéns, Prof. Donaldo Schüller. Que seu exemplo se multiplique para o bem de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul, do Brasil e do mundo. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (João Carlos Nedel): Convido o Ver. Juarez Pinheiro para que assuma a presidência dos trabalhos, por ter de me ausentar por compromisso anteriormente agendado.

 

O SR. PRESIDENTE (Juarez Pinheiro): O Ver. Antonio Hohlfeldt e Vice-Governador eleito está com a palavra para falar em nome do PSDB.

 

O SR. ANTONIO HOHLFELDT: Sr. Presidente, Sr.as Vereadoras e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Santa Catarina, felizmente, não nos envia só jogadores de futebol; nos envia, também, escritores e sobretudo professores eméritos como Donaldo Schüller. Eu fui aluno e tive a grata felicidade de ser aluno de Donaldo Schüller nos bons e, ao mesmo tempo, nos difíceis tempos dos anos 70, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Era uma equipe de professores que, certamente, marcou a todos nós que tivemos a oportunidade de ali estudar, naquele momento. Guilhermino César, Flávio Loureiro Chaves, Madame Motta, nossa professora de Francês, Elpídio Paes, Ângelo Ricci, Gerd Bornhein, Dionísio Toledo, Tânia Carvalhal, Prof. Steinbruch, Prof.ª Isolda Paes e tantos outros. Ao lado deles, junto a eles, o Prof. Donaldo Schüller. Boa parte desses professores já foram homenageados, inclusive, por esta Casa, alguns inclusive já nos deixaram, ficou apenas a sua memória.

Mas esse Professor que hoje estamos homenageando, em nome da Cidade de Porto Alegre, a partir da iniciativa feliz do Ver. Juarez Pinheiro, tinha um desafio muito especial. Se já era difícil lecionar Latim, imaginem lecionar Grego e essa era a difícil tarefa do Prof. Donaldo Schüller. Por incrível que pareça, ele tinha alunos, não só para a Literatura Grega como também para a Língua Grega, que era muito mais complicado, que começava com aqueles risquinhos diferentes para conseguirmos ligar com o nosso alfabeto, depois conseguirmos fazer conjugações. Enfim, imaginar traduzir algumas palavras e depois o pior desafio: ler a Ilíada e a Odisséia, de Homero em grego e traduzir.

Então, esse era o desafio do Prof. Donaldo, foi um desafio que eu peguei em menos de meio semestre, desisti na metade do caminho, não tive coragem de ir até o final. Mas tive uma vantagem, tornei-me aluno do Prof. Donald Schüller em Literatura, sobretudo Teoria da Literatura e depois Literatura Brasileira. E no programa de pós-graduação, no Mestrado especialmente, tive a oportunidade de conhecer o grande Prof. Donaldo Schüller, o Professor de Literatura. Eu quero dizer, Donaldo - já disse isso outro dia lá na nossa Universidade Católica -, que vou levar sempre comigo a memória de um curso semestral sobre a poesia de Carlos Drumonnd de Andrade. Anotações de caderno, naquele tempo ainda usávamos caderno, era bem disciplinado, estão lá guardadinhas, e não é raro que eu volte para consultar discussões que fizemos em sala de aula, também com uma turma excepcional de alunos naquela época. E que realmente eram animadas pelo Prof. Donaldo Schüller, que, dentre tantas outras produções, estudos monográficos que produziu indiretamente, através desses cursos, alguns dos quais depois foram transformados em livros, ajudou-nos a entender, sobretudo, o sentido que a poesia de Drumonnd tinha no âmbito da poesia brasileira, e a inovação que Drumonnd trazia, foi realmente para mim, particularmente um divisor de águas.

Mas Donaldo Schüller não se contentou em ser o professor dentro de uma universidade. Aposentado, tornou-se professor e divulgador da cultura grega, em cursos dos mais variados, em instituições bastante populares junto, inclusive, dentre outras, o Instituto Fernando Pessoa. E, por incrível que pareça, trazendo de novo dezenas de alunos ansiosos – eu nem diria que seria para se atualizarem, Prof. Donaldo, mas eu diria, literalmente, para se localizarem em relação à cultura grega, vencendo aquele obstáculo e aquele preconceito que em geral nós temos: todos dependemos dos gregos, todos nascemos a partir dos gregos, mas poucos de nós realmente conseguimos entender um pouco a lógica dessa cultura. E sem dúvida nenhuma o Prof. Donaldo navega nesse mar bastante agitado com a maior tranqüilidade do mundo e cativa as pessoas, realmente vende o seu peixe nesse sentido.

Mas o Donaldo não estava satisfeito com isso, o Donaldo começou a publicar livros. E, ao contrário de muitos professores de uma universidade, que apelam logo para as publicações da sua própria universidade, o Professor Donaldo preferiu uma editora fora do âmbito da universidade. E escolheu por afinidade, talvez, também, de catarinense a Editora Movimento, do Calos Jorge Appel. E essa Editora que marcou o Rio Grande do Sul por aproximar a literatura de Santa Catarina dos gaúchos, passou a publicar os primeiros textos do Prof. Donaldo, que obviamente eram sobre a cultura grega, sobre a teoria da literatura grega e sobre os textos da literatura grega. E somaram-se aí quase uma dezena de livros, que compõem um conjunto de estudos que realmente honram qualquer pesquisador brasileiro e qualquer cultura como a nossa.

Mas Donaldo ainda não estava satisfeito, ele se descobriu ficcionista e não só ficcionista, ele resolveu começar pelo mais difícil na lição do Flaubert, publica uma primeira novela, A Mulher Afortunada, em que troca de personalidade, assume a figura da própria personagem feminina, e, depois, imediatamente, muda o jogo e começa a construir um conjunto de textos ficcionais em que reestuda toda a tradição da nossa cultura popular, desde o Tatu, que ele publica a partir de 1982.

E, de uma certa maneira, chega a necessidade de reexaminar Raízes, e vai pensar então o mundo caboclo, quando publica o seu romance sobre o contestado.

Essa trajetória, talvez inusitada para o intelectual brasileiro, dito normalmente Terceiro Mundo, ganha um salto final – final até o momento, pois eu duvido que o Prof. Donaldo esteja quieto lá na casa dele, nesses dias – quando ele faz a tradução, eu diria a recriação do Finnegans Wake, de Joyce, para a língua brasileira. Esse conjunto de desafios, o Prof. Donaldo jamais parou de se provocar porque, na verdade, ninguém o levava a tal, a não ser ele mesmo, faz com que, realmente, mais do que apenas o professor, no sentido imediato, da sala de aula, nós tenhamos de, aqui, homenageá-lo como professor, naquele mesmo sentido que a cultura grega, no belo estudo do Werner Jaeger, nos mostram que tomava como perspectiva básica o professor no sentido mais amplo; o professor que é professor a todo o momento, ao longo de todo o seu trabalho, de todo o seu dia, na sua sociedade, em todos os contextos em que ele se encontra presente.

Portanto, Prof. Donaldo, eu quero aqui lhe dizer de público que tenho imensa honra de poder dizer a todos e de incluir no meu pequeno currículo que eu fui aluno do Prof. Donaldo Schüller.

E queria dizer isso num dos momentos finais em que ocupo a tribuna desta Casa como Vereador ao longo de 20 anos nesta Cidade. E quero lhe dizer que, se todos nós, seus ex-alunos, falamos hoje aqui, através dos discursos, dentre outros, o Ver. Juarez Pinheiro, de mim e dos que eventualmente vão se manifestar, eu queria que igualmente o senhor tivesse a certeza de que no dia 1.º de janeiro, quando nós estivermos lá no Palácio Piratini, o senhor vai estar comigo, porque o senhor é parte também desta história. Considere-se, portanto, também presente no Governo do Rio Grande do Sul a partir do dia 1.º de janeiro. E o meu compromisso em ser fiel àquilo que o senhor tentou passar a mim e a todos nós, seus alunos. Portanto, o meu abraço, o meu carinho e, sobretudo, o meu imenso respeito pelo seu trabalho. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Juarez Pinheiro): O Ver. Adeli Sell está com a palavra e falará em nome do Partido dos Trabalhadores.

 

O SR. ADELI SELL: Sr. Presidente, Sr.as Vereadoras e Srs. Vereadores. (Saúda o componentes da Mesa e demais presentes.) Ver. Antonio Hohlfeldt, eu também fui aluno de Donaldo Schüller. Nós somos pessoas privilegiadas, porque, na década de 70, estivemos no Curso de Letras e tivemos essa grande satisfação de ter o Professor Donaldo como nosso Mestre. Não é preciso aqui nesta platéia fazer uma retomada, que já foi feita em certo sentido pelos oradores, da trajetória e da vida do Professor Donaldo Schüller. É preciso, sim, ressaltar algumas questões, que são: a paixão pelo conhecimento, a paixão pela sala de aula, o respeito e a compreensão dos seus alunos. Como é bom estar hoje aqui e encontrar pessoas que fizeram com que nos apaixonássemos pela Literatura, que nos apaixonássemos pelas línguas, mesmo que a gente nem sempre seja tão bom e tão perfeito que domine uma língua muito bem, porque faz parte da gente a imperfeição. Mas eu sempre tive, na figura do Donaldo, um elemento de busca de perfeição, aquele vasto conhecimento na área da Literatura Grega, o domínio do Grego, e eu também, como catarinense, que aqui aportou, fui abraçado por esta Cidade, tomado por seu encanto, e hoje adotei esta Cidade, como esta também nos adotou e é, exatamente, por estarmos nesta Cidade tão plural, esta Cidade com tanta diversidade, esta Cidade tão cosmopolita e ao mesmo tempo tão singular, às vezes até com um certo ar interiorano, nós podemos dizer que somos felizes por poder compartilhar com personalidades, verdadeiras legendas da sala de aula, do conhecimento e da literatura. E inclusive, quando eu vi que o Professor Donaldo estava traduzindo Joyce, eu pensei, digo aqui vulgarmente: “Caramba, que trabalho! Que loucura!” E aí está “Finnegans Wake “ em português. Aqui está conosco Donaldo Schüller, pessoa que eu admiro, e eu espero que a gente possa sempre contar com outras inovações do professor, do amigo e agora Cidadão de Porto Alegre Donaldo Schüller. Foi um prazer, Professor Donaldo, poder estar aqui, lhe trazer esse abraço, esse carinho, essa consideração, não apenas minha, mas da Cidade de Porto Alegre e também o abraço da Bancada da qual faço parte aqui e tive o privilégio de ter o meu colega, Ver. Juarez Pinheiro, tendo esta belíssima idéia de lhe propor o Título de Cidadão da nossa Cidade! Muito obrigado.(Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Juarez Pinheiro): Quebrando um pouco o protocolo, para tristeza dos nossos companheiros do Setor, tão diligente Aristides, vou abrir mão, como propositor, de entregar o Título ao Professor Donaldo Schüller.

Convido os seus ex-alunos, Ver. Antonio Hohlfeldt e Adeli Sell, para que façam a entrega do Título de Cidadão de Porto Alegre ao Professor Schüller.

 

(Procede-se à entrega do Título.) (Palmas.)

 

Eu recebi o recado do Ver. Dr. Goulart, um dos Vereadores mais expressivos e atuantes desta Casa, que mandou uma mensagem ao Professor Donaldo, no sentido de que estava contemplado nas intervenções deste Vereador, do Ver. Antonio Hohlfeldt e do Ver. Adeli Sell. Muito obrigado, Ver. Dr. Goulart, nosso querido Vereador.

Neste momento nós convidamos o nosso grande homenageado, Professor Donaldo Schüller, querido, esse verdadeiro sol nas nossas vidas, que nos ilumina, para fazer uso da palavra neste dia tão significativo para a cidade de Porto Alegre e para todos nós.

O Professor Donaldo Schüller está com a palavra.

 

O SR. DONALDO SCHÜLLER: Sr. Presidente, Sr.as Vereadoras e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Quando eu recebi a comunicação do Ver. Juarez Pinheiro que a Câmara de Vereadores desta Cidade, por unanimidade, tinha decidido me conceder o Título Honorífico de Cidadão Porto-Alegrense, comovido, pensei em escrever um poema, um canto a Porto Alegre. Comecei a esboçar o poema, partia dos meus verdes 12 anos, quando desembarquei em Porto Alegre, atordoado pelos apitos do trem, pelo ranger férreo dos bondes, pelos roncos mais graves do que de motores, pelo burburinho de Porto Alegre, pela agitação da Cidade, muito maior do que tudo que eu tinha imaginado. Guiado por uma mão amiga, meus olhos se elevavam pelas paredes bolorentas dos edifícios. Tentei integrar-me em Porto Alegre, tentei crescer em Porto Alegre e Porto Alegre sempre foi muito maior do que eu. Cresceram as ruas, cresceu a população, cresceram os prédios, bairros que eu nunca imaginava que podiam existir passaram a existir. Ensinaram-me que esta Porto Alegre fora edificada sobre outras Porto Alegre, a Porto Alegre dos Casais, a Porto Alegre da resistência lusitana contra o ataque espanhol, a Porto Alegre dos Farrapos. E passei a ouvir vozes, vozes que vinham da terra, vozes de minuanos, gritos de guerra ouvidos nas noites frias, e procurei conhecer a literatura desta terra. Passei a ler Eduardo Guimarães, conheci Érico Veríssimo, li, Simões Lopes Neto, colegas me passavam livros. Livros que, em partes, o Ver. Juarez Pinheiro teve a bondade de citar. E eu fui me criando e fui me formando em Porto Alegre. As minhas raízes foram se confundindo com as raízes de Porto Alegre. Encontrei a mulher da minha vida, constituímos família, meus filhos vivem nesta Cidade, meus netos vivem nesta Cidade. Eram algumas idéias para um eventual poema, eu estava preocupado com os ritos, com a escolha das palavras, com a busca de imagens, quando recebi um telefonema. Telefonema de um nome já citado: Bruno Costa. E Bruno Costa me disse por telefone: “Tu vais falar sobre Sócrates”. Sócrates, Bruno. Sócrates. Bruno pedia Sócrates. Juarez Pinheiro pedia Sócrates. A Câmara de Vereadores de Porto Alegre pedia Sócrates. Porto Alegre pedia Sócrates. Era, efetivamente, um pedido inusitado. Deve ser a única Cidade do mundo que, numa ocasião destas, pede que se fale sobre Sócrates. Pois vamos a Sócrates.

Sócrates diante do Tribunal de Atenas. Sócrates acusado de crimes graves e ouço Sócrates: “Senhores atenienses, ouvindo os meus acusadores, posso imaginar o que vós sofrestes, porque até eu mesmo, os ouvindo, comecei a duvidar da minha própria identidade. Como é que um discurso pode fazer sofrer? E discursos fazem sofrer! Porque a palavra - e essa é a lição grega - não é só um instrumento para libertar, mas também é um instrumento para oprimir. Palavras ocultam a verdade. Palavras oprimem os que pensam. Palavras podem escravizar. Senhores atenienses, posso imaginar o que vós sofrestes.” E diziam os acusadores de Sócrates que ele era um homem terrível no falar. Ora, qual é o mal em ser terrível no falar? Sófocles, antes de Sócrates, tinha declarado o homem terrível, terrível por rasgar os sulcos da terra, terrível por afrontar os mares, terrível por fundar cidades, terrível por fazer leis, terrível por constituir a sociedade humana. Olhem, se o homem é terrível, por que condenar um homem para ser terrível?

Sócrates: “Os meus acusadores dizem que eu sou terrível no falar. É um argumento que a prática desfará imediatamente porque eu não sei falar. Não conheço a linguagem dos tribunais, não conheço a linguagem das assembléias. Sou um homem que não tive uma formação regular. Não tive uma formação regular, não porque não quisesse tê-la, mas porque não tinha dinheiro para pagar os professores, e os professores cobravam taxas muito altas. Não aprendi a falar. Por essas circunstâncias, por isso falo a linguagem que trago de casa, a linguagem das praças, a linguagem das ruas. Se os meus acusadores julgam que falar a verdade, que ser terrível no dizer a verdade, eu direi toda a verdade. Evidentemente, dizer toda a verdade leva tempo, não se pode fazer isso num curto espaço de tempo. Acusadores que me estão acusando já há 30 anos, não esperem que eu possa argumentar com argumentos que se foram criando, nem sei como, ao longo de 30 anos. Há momentos em que essa linguagem do povo, a linguagem rude do povo oxigena, e oxigena quando destrói a linguagem erudita, essa linguagem erudita feita de fórmulas, feita de homens que não pensam, de homens que memorizaram, de homens que tem bibliotecas na cabeça, de homens que repetem o que outros disseram. Neste momento, uma linguagem agressiva, uma linguagem destruidora, uma linguagem de quem não sabe falar reativa o poder de falar.” Esse foi o trabalho de Sócrates, de Sócrates, dos Diálogos Platônicos. Se os Diálogos Platônicos, construídos em torno de Sócrates, atravessam os séculos e são lidos aqui, hoje, é em virtude dessa oxigenação de um homem que não sabia falar.

Homens terríveis no falar, nós os tivemos no Rio Grande do Sul, um deles precisamente, um médico: Simões Lopes Neto. Simões Lopes Neto, atento à língua do povo, à língua incorreta do povo, Simões Lopes Neto transforma o dialeto gauchesco em uma língua literária. Simões Lopes Neto não é precursor, como tantas vezes é apontado; Simões Lopes Neto é fundador, é o fundador de uma forma de dizer que abala a Língua Portuguesa, que é um marco dentro das transformações pelas quais passou a Língua Portuguesa. Pode-se entender por que porto-alegrenses e sul-rio-grandenses pedem que se fale sobre Sócrates. As denúncias contra Sócrates eram várias. Sócrates estava sendo processado por investigar o céu e explorar a Terra. E diziam os acusadores que isso infringia a lei ateniense. Mas, como é que se pode imaginar que alguém que se interesse pelos fenômenos celestes e procure explorar a Terra, por causa disso comete infrações? Não se estava denunciando só Sócrates, estava-se denunciando toda a cultura grega que vinha desde Tales. Era Tales o homem que, contemplando o céu, tinha caído num buraco. Era Pitágoras que tinha transformado o universo numa grande sinfonia; era Pitágoras que tinha dito que a terra girava em torno de um fogo central. O heliocentrismo foi imaginado por Pitágoras. Ora, se os infratores tivessem ficado atentos a homens que julgavam que não se devia explorar o céu e a Terra, onde nós estaríamos? Onde estariam as nossas navegações espaciais? Onde estariam os nossos estudos de geologia? Eram infratores dessa natureza que assombravam Atenas, a imagem que nós fazemos de Atenas. Isso não aconteceu numa periferia, aconteceu em Atenas.

Os acusadores diziam que outra infração de Sócrates era que ele transformava argumentos fracos em argumentos fortes. Ora, os argumentos fortes não se precisam defender, devem-se defender efetivamente os argumentos fracos. E quem é que diz que no argumento fraco está o erro? Pode ser que a verdade esteja no argumento fraco. Um argumento fraco era precisamente Sócrates. E isso era infração?

Havia outra denúncia, uma denúncia gravíssima: Sócrates pervertia a juventude. Dizia Sócrates: “Meus caros atenienses, eu perverter a juventude?” Quem tinha feito essa denúncia era um juiz, de nome Meleto. Sócrates a Meleto: “Meleto, eu quero que tu me respondas, a Lei manda que tu me respondas: se existe alguém que perverte a juventude, deve haver homens que fazem bem para a juventude. Me diga quem é que faz bem para a juventude.” Meleto: “As Leis.” “Não, caro Meleto, eu não quero saber de Leis, eu quero saber de homens, quem é que faz bem para a juventude? Por acaso os juizes - e eram seiscentos - fazem bem à cidade de Atenas, ou fazem mal à cidade de Atenas.” Meleto: “Evidentemente fazem bem.” “Todos os juizes fazem bem ou só alguns?” “Todos os juizes fazem bem.” “E os que freqüentam as Assembléias?” E as assembléias gregas todos os cidadãos freqüentavam. “A Assembléia faz bem ou faz mal à juventude?” “A Assembléia faz bem.” “Mas, então, meu caro Meleto, existe um homem, em Atenas, que faça mal à juventude se não eu?” Meleto: “Não, tu és o único que perverte a juventude.” Sócrates: “Eu felicito a cidade de Atenas, em que todos fazem bem para a juventude e um único faz mal. Agora, como é que eu posso perverter a juventude contra todos os cidadãos de Atenas que fazem bem à juventude? Meus caros juizes, argumentos dessa natureza não podem ser tomados a sério. Um homem que se levanta como educador, e que pensa fazer um bem à cidade de Atenas, preocupando-se com a educação da juventude, com argumentos dessa natureza. Mas eu perverter a juventude? Mas, enfim, como? Era um homem que falava na praça. Nunca cobrei nada para ninguém, não tive alunos, só fui professor de ninguém. Os jovens que me procuravam, me procuravam livremente, como podiam ter procurado qualquer outro. Eu não fazia diferença entre ricos eu pobres, eu falava com todos. Eu perverter a juventude?! Mas há ocasiões em que a juventude deve ser pervertida, há ocasiões que a juventude deve ser sacudida, deve ser sacudida quando uma juventude indolente, uma juventude inoperante, uma juventude que não pensa.” Ora, se Sócrates levou jovens a protestarem, Sócrates fez um benefício à cidade de Atenas.

Mas havia uma denúncia bem mais grave do que essa: denunciava-se Sócrates por ter introduzido novos deuses na cidade de Atenas. É um argumento inusitado, porque se examinam os textos gregos desde Homero até os tragedistas, os deuses mudam continuamente; não existe uma fidelidade a uma concepção fixa da divindade. A inquietação em torno do divino dos gregos era uma inquietação fundamental, e a única maneira como o divino pode ser significativo e vivo, seus deuses se fossilizam. Se há homens que se inclinam às divindades que tinham função numa certa época e não são mais operantes, que benefício pode ter isso para uma atitude efetivamente religiosa? Sócrates, eu sou um homem religioso, e porque sou um homem religioso é que me ministrei com meio mundo em Atenas, por que o Oráculo de Delfos, que todos nós o respeitamos? “O Oráculo de Delfos disse que eu era o mais sábio dos homens”. “Ora, como é que o Oráculo de Delfos, que é efetivamente uma instância respeitável, pode dizer que eu, que não sei nada, sou o mais sábio dos homens?” “Mas, enfim, era o Oráculo de Delfos que tinha dito. Fui perguntar a poetas, poetas que dizem coisas maravilhosas, e o que descobri? Esses poetas que dizem coisas maravilhosas, quando perguntados sobre aqueles que dizem não sabem da razão daquilo que dizem, embora sejam enfatuados os poetas são tão ignorantes como eu, mas eles acham que sabem alguma coisa, e eu sei que não sei nada. Ora, se isso que o Oráculo de Delfos quis dizer, então, efetivamente devo reconhecer que eu sou mais sábio que os poetas.”

A mesma coisa aconteceu com os políticos, aconteceu com todos. Eu tinha que interrogar. E por que interroguei? E fiz da minha vida um objetivo, um objetivo que tinha me sido dado por Apolo para resolver o meu problema, e isso me criou problemas na cidade de Atenas.

Meus caros atenienses, estou numa situação muito grave. Pede-se que eu faça uma avaliação da minha própria vida. Ora, se eu devo pedir alguma coisa à cidade de Atenas, não posso pedir uma sentença contra mim próprio; seria imoral e seria desonesto. Eu acho que pelos serviços que eu fiz à cidade de Atenas, eu mereço uma pensão vitalícia, sou um homem pobre. Não é um pedido inusitado a jovens ricos que têm dinheiro para comprar cavalos e para comprar carros, correm em Olímpia, vencem e quando vêm à cidade de Atenas recebem recompensa pelos feitos realizados. Ora, os meus méritos são muito maiores do que esses que são homenageados pela cidade de Atenas.

Pois essa foi a defesa de Sócrates dos crimes dos quais estava sendo acusado. Ocorria que, nessas ocasiões, esperava-se que o réu se humilhasse, que chamasse mulher e filhos e comovesse juizes, pedisse perdão por aquilo que estava sendo acusado. Sócrates: “Eu não vou fazer isso! Seria indigno, isso seria efetivamente corromper os juizes. Isso eu não faço!”

Diante da arrogância de Sócrates, Sócrates foi condenado por uma pequena margem de votos: 5%. Mas foi condenado. Então, pela legislação ateniense, o réu podia sugerir ao corpo de jurados a sentença que lhe seria própria. Sócrates: “Meus caros juizes, chegou o momento de eu examinar as sentenças que correspondem aos crimes pelos quais estou sendo denunciado, e agora condenado. Uma das sentenças é um pagamento em dinheiro, uma multa. Ora, eu me submeteria a essa sentença tranqüilamente, se eu tivesse dinheiro. Mas, eu sou um homem pobre, não tenho absolutamente nada. Como é que eu posso pagar o que quer que seja? Se eu tivesse dinheiro eu faria isso, mas, infelizmente, não posso me valer desse expediente; outro, prisão. Eu pedir a prisão para mim... Eu fui um homem que vivi livre durante 70 anos, agora, eu vou pedir, para mim, prisão? Não posso... Eu só sei viver em liberdade.

A outra sentença, exílio. Eu me criei na cidade de Atenas, nunca sai de Atenas; atuei na cidade de Atenas por 70 anos. Ora, se durante 70 anos os atenienses não me entenderam, como eu vou esperar que coríntios, que espartanos, ou quem quer que seja, vá me entender. Eu sou ateniense, não posso sair da cidade de Atenas.

Uma outra sentença: que eu fique quieto. Ora, eu passei falando a vida toda, agora, no fim da minha vida eu vou ficar calado? Não posso. Senhores atenienses, não é possível. Resta o quê? Resta a pena de morte. Embora eu não queira morrer, é o que me resta. Pois então, escolho a pena de morte. Então, reflitamos sobre a morte. O que é a morte? Há divergências sobre a morte. Há pessoas que dizem que a morte é um sono, um sono perpétuo. Se esse for o caso, eu não posso desejar coisa melhor do que repousar dos meus males, em um sono que não tem fim. Agora, existem outras pessoas que dizem que em um outro mundo existe um outro tribunal, um tribunal diante do qual nós teremos que prestar contas dos nossos atos. Se esse for o caso, eu espero encontrar no outro mundo juizes mais justos do que estes. Eu vou apresentar a minha situação diante desses juizes, e espero que receba uma sentença melhor do que a sentença de Atenas.” Sócrates foi condenado à morte, foi levado à prisão. Mas antes de ser levado à prisão, enquanto preparavam a transferência dele do tribunal para a prisão ele podia ainda dialogar com os seus cidadãos. “Meus caros atenienses, chegou a hora da despedida. Vocês, para a vida, e eu para a morte. Não lamento a minha situação, não choro por mim, lamento a situação de vocês. Porque enquanto eu estive na cidade de Atenas, eu incomodei vocês, eu mantive vocês vivos com as minhas indagações. Quem vai fazer esse serviço, depois que eu estiver morto? Portanto, atenienses, essa é a hora da despedida. Lamento ainda que vocês se tenham maculado com a minha morte. Condenar à morte um homem de 70 anos?! Se vocês quisessem se ver livres de mim e se vocês tivessem um pingo de inteligência e fossem pacientes, a própria natureza se encarregaria disto. O que dirão as gerações futuras, que vocês mataram um homem aos 70 anos? Vocês vão levar essa pecha sobre vocês.

Meus caros atenienses, é hora da despedida, parto tranqüilo e desejo todo o sucesso a vocês.” Sócrates é recolhido à prisão, por uma legislação de Atenas que, durante 30 dias, a pena não podia ser aplicada. Mas era uma prisão muito confortável, ele recebia a mulher, recebia os familiares, recebia os discípulos; um dia ele recebe Platão, e Platão disse: “Olha, Sócrates, meu caro mestre, vamos acabar com isso”. Platão era rico. “Eu conversei com os guardas e subornei todos, existe um navio aqui no porto, você pode sair livremente daqui, pega o navio e te some. Ninguém vai fazer nada contra ti”, disse Platão. Sócrates disse: “Meu caro Platão, não posso”. “Mas não pode por quê?” “Não posso pelo seguinte: durante 70 anos, as leis de Atenas me sustentaram. Eu me vali das leis de Atenas, caso contrário, não estaria vivo, e agora que Atenas entende que eu devo morrer, eu vou transgredir as leis de Atenas? Não seria justo. Não posso.” Sócrates fica na cidade de Atenas e é condenado à morte.

Pois bem, meus caros porto-alegrenses, Sócrates está diante de Porto Alegre. Este é um outro tribunal, diante do qual Sócrates revive. Não se trata de uma nova decisão de porto-alegrenses, porque Porto Alegre já se decidiu antes desta Sessão, porque se pediu que se trouxesse para esta Casa, que tantos e tão relevantes serviços já prestou a este Estado, que se trouxesse para esta Casa Sócrates. Pois que venha Sócrates e difunda em Porto Alegre, permita-me, Sr. Presidente, difunda em Porto Alegre as idéias que tiver, fale com os jovens porto-alegrenses, introduza os deuses que julgar que devam ser introduzidos em Porto Alegre. Sócrates terá um melhor futuro do que na cidade de Atenas. Porto Alegre é uma cidade livre, como Atenas, pelo visto, não foi. Agora, como entender que Atenas tenha matado Sócrates. Atenas matou Sócrates, porque era uma cidade à morte, uma cidade que estava morrendo e Sócrates o sentia. E civilizações que estão à morte, matam e mandam matar; bombardeiam e mandam bombardear.

Porto Alegre é uma cidade voltada para a vida e não para a morte. Porto Alegre, desde a sua constituição, é uma confluência de idéias, é uma confluência de etnias, é uma confluência de culturas. Por isso Porto Alegre está destinada a ser um centro para convergência das nações americanas, e já demonstrou que tem condições para ser um centro de convergência universal. Porto Alegre não pretende construir uma aldeia global, uma aldeia global comandada por um único cacique. Porto Alegre pensa numa fragmentação do globo em milhares de aldeias, aldeias que tenham a liberdade de escolher a forma de Governo que quiserem e que não sejam obrigadas a aceitar a imposição de um Governo. Aldeias que tenham a liberdade para ensaiar métodos para produção de riquezas e para troca de riquezas. Porto Alegre é a cidade destinada a abrigar Sócrates. Eu havia dito no princípio que o telefonema do meu amigo Bruno Costa havia interrompido a elaboração de um poema, um poema que todos podemos construir. Eu sou grato, porto-alegrenses, por me receberem nesta Cidade como um operário, como poeta operário para construir esta Cidade. Uma cidade feita; um poema construído de tijolos, de ferro, de argamassa, de idéias, de palavras. Vivemos em um porto. Porto não é lugar em que se fica; porto é um lugar de passagem. Temos no nosso passado várias porto-alegres, depende da nossa atividade de construir portos futuros, portos para os nossos filhos, portos para os nossos netos, e construí-los com alegria.

Sr. Presidente, Srs. Vereadores e meu caros porto-alegrenses, se alguém nesta Cidade merece o Título de Cidadão Porto-alegrense é um homem que foi condenado por Atenas. Sugiro que se dê o Título de Cidadão Porto-Alegrense a Sócrates. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Juarez Pinheiro): Registramos, também, a presença do Ver. Reginaldo Pujol, representando a Bancada do PFL, que prestigia e engalana esta Sessão.

Com certeza os Srs. Vereadores e esta Casa, ao concederem ao intelectual renomado que terminou de fazer a sua conferência o Título de Cidadão de Porto Alegre, receberam dele, talvez, uma das mais eruditas e mais lindas páginas dos mais de 220 anos de funcionamento desta Câmara.

A Casa, em nome dos Vereadores, em nome de Porto Alegre, agradece por este momento mágico, maravilhoso, que nos foi proporcionado por essa pessoa humana, esse porto-alegrense, esse filósofo grego, esse representante de Videiras, Santa Catarina, esse Cidadão do mundo.

Neste momento convidamos todos os presentes para, de pé, ouvirmos o Hino Rio-Grandense.

 

(Ouve-se o Hino Rio-Grandense.)

 

Ao encerrarmos a presente Sessão, queremos referir que, em uma de suas entrevistas, o nosso homenageado, Prof. Donaldo Schüller, disse que não procurássemos nos gregos a norma. Nós, que aqui fazemos as normas, em nome dos meus colegas, queremos dizer que não podemos fazer as normas, se não formos gregos no sentido de discutir as idéias.

Agradecemos a todos pela presença e damos por encerrada a presente Sessão Solene. (Palmas.)

 

(Encerra-se a Sessão às 20h39min.)

 

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